Começam os estudos para perceber porque África é o continente menos afectado pela pandemia 

A imunidade da COVID-19 em África é um mistério médico, uma vez que as taxas de mortalidade sempre estiveram bastante abaixo das projecções iniciais da pandemia. Mas porquê?

Apesar das projecções pessimistas de que o coronavírus iria afectar o continente Africano, a verdade é que os países mais ricos e bem equipados têm um maior número de mortes, e que o efeito da COVID-19 em África foi mínimo.

Desde a primeira morte registada em 2020, um número impressionante de 1.883.711 pessoas morreram de COVID-19 na Europa a partir de 13 de Março, de acordo com o Statista. E mesmo com mais de quatro vezes mais profissionais de saúde do que um país Africano como a Serra Leoa, por exemplo, em que há 1,4 médicos, enfermeiras e parteiras por 10.000 pessoas - morreram mais 99% das pessoas de coronavírus em França do que na Serra Leoa, em que apenas se registaram 125 mortes relacionadas com o coronavírus.

E em Kamakwie, ainda na Serra Leoa, o centro de resposta à COVID-19 do distrito registou apenas 11 casos desde o início da pandemia e nenhuma morte, como noticiava, recentemente, o The New York Times.

E não é só a Serra Leoa que tem um baixo número de mortes. O Gana reportou 1.445 mortes desde o início da pandemia, segundo a Reuters. E Moçambique é outro caso que segue a mesma linha, com 2.201 fatalidades registadas desde o início da pandemia, para uma população de 29 milhões de pessoas.

Mas há países em África que nem sequer atingem a marca dos quatro dígitos, como a Tanzânia, que relatou 800 mortes relacionadas com a COVID-19 desde o início da pandemia, ou o Togo que relatou 272 mortes totais relacionadas com o coronavírus.

Uma coisa parece certa: as baixas taxas de mortalidade pela COVID-19 em vários países Africanos não são devidas, apenas, ao acesso generalizado à vacina, até porque a desigualdade na vacinação é uma questão permanente em vários países Africanos como o Uganda, a Zâmbia, e muitos mais. A Libéria, por exemplo, administrou cerca de 1,2 milhões de doses da vacina COVID-19, o que equivaleria a cerca de 12,2% do país a ser vacinado e, no entanto, apenas reportou 294 mortes totais relacionadas com o coronavírus.  Por outro lado, um país europeu como Portugal já administrou mais de 22 milhões de doses da vacina e está alegadamente mais de 92% vacinado, mas ainda assim reportou 21.342 mortes totais relacionadas com o coronavírus.

Algumas fontes como o World Bank têm afirmado que as taxas de mortalidade Africanas relacionadas com a COVID-19 são fortemente sub-declaradas dada a escassez de testes e o facto de a maioria das mortes relacionadas com o coronavírus ocorrerem em casa.

Embora valha a pena reconhecer que pode haver problemas com testes adequados para a COVID-19 em alguns países Africanos, como o Quénia ou o Zimbabwe, por exemplo, a falta de registo de casos não é provavelmente o culpado por detrás do menor número de casos de COVID-19 relatados, de acordo com o Dr. Andy Pekosz, um perito em SARS-CoV-2 e o Vice-Presidente do Departamento de Microbiologia e Imunologia Molecular da Universidade Johns Hopkins.

"Penso que é bastante claro que a SARS-CoV-2 foi introduzida nos países Africanos em numerosas ocasiões, mas em alguns casos não conduziu a surtos que se aproximem da escala que temos visto noutros lugares, incluindo lugares como a América do Sul que se encontram nas mesmas linhas longitudinais de muitos países de África", disse Pekosz à Fortune.

Pekosz está mais convencido de que existe "certamente um controlo suficientemente bom das doenças infecciosas para ter detectado casos graves e mortes resultantes da COVID-19", e que a falta de mortes relacionadas com o coronavírus nos países Africanos se deve a algo mais.

Se as mortes relacionadas com a COVID-19 em África não são sub-reportadas, de onde vem a discrepância? Devido aos "anticorpos reactivos cruzados", alguns cientistas e investigadores pensam que os países Africanos que estiveram expostos à febre do Ébola e Lassa, como a Serra Leoa, têm cidadãos com taxas de resistência mais elevadas.

Por exemplo, num estudo de 2021, as amostras de sangue dos sobreviventes da febre do Ébola e Lassa na Serra Leoa tinham maiores anticorpos para os coronavírus sazonais do que os dadores de sangue Americanos, resultando numa imunidade de protecção cruzada, de acordo com o “Virus”, um jornal de virologia de acesso aberto.

Pekosz está ciente do argumento da imunidade de protecção cruzada, mas fala ainda da carência de dados efectivos que o comprovem definitivamente.

"Há muitas teorias sobre a razão pela qual não vemos muitos óbitos por coronavírus em alguns países Africanos. A teoria de que há alguma imunidade pré-existente que está a amortecer os efeitos da infecção pelo SARS-CoV-2 é ouvida frequentemente, mas não tenho visto quaisquer dados definitivos e convincentes que sustentem isto", disse Pekosz numa entrevista recente à revista Fortune.

Outra das questões apontadas como potencial causa de imunidade, a elevada incidência de malária e respectivos tratamentos que foram sendo ministrados nos vários países ao longo dos anos, essa sim, com uma distribuição suficientemente ampla pelo continente, não está ainda comprovada.

"Os estudos sobre os níveis de anticorpos nos países Africanos não mostraram um forte sinal de anticorpos pré-existentes à SARS-CoV-2", disse Pekosz à Fortune. "Pode ser que partes da resposta imunitária não relacionadas com anticorpos possam estar a contribuir - talvez respostas imunitárias celulares como as respostas das células T".

Mas a verdade, continua Pekosz, é que ainda não se sabe. O que se sabe é que, África é, até à data, o continente menos afectado pela pandemia e, ao longo dos próximos anos, inúmeros estudos e investigações irão decorrer para que se perceba porquê.