Conservação
Parque Nacional de Chimanimani
Nesta nossa visita que, mensalmente, passará a levar-vos pelas visitas dos Parques e Reservas Naturais de Moçambique, começamos pelo Parque Nacional de Chimanimani.
Um dos locais mais emblemáticos do País, integrou, em 2021, a lista dos 100 melhores lugares do mundo (The World’s Greatest Places) para visitar, numa selecção feita pela conceituada revista norte-americana Time. Moçambique ocupava duas vagas dessa lista, com o reconhecimento dos encantos do Parque Nacional de Chimanimani, localizado na Província de Manica, e da Ilha de Benguerra, no Arquipélago de Bazaruto, na Província de Inhambane. Lá iremos, em futuras edições.
A Time, escrevia, à época, que o Parque Nacional de Chimanimani “é um testemunho dos esforços contínuos de conservação do País. Com uma vasta paisagem, incluindo o pico mais alto de Moçambique, o Monte Binga, o parque é o lar de elefantes raros da montanha e dezenas de pássaros, répteis, borboletas e plantas que são únicas na área. Grupos de turistas guiados em Moçambique e no Zimbabué recomendam Chimanimani como uma atracção principal, ostentando trilhas para caminhada e caminhadas intocadas por carros – e a chance de vislumbrar algumas das centenas de espécies identificadas por estudos recentes de biodiversidade na área”.
A aproximadamente 90 minutos de caminho, por estrada, da Cidade de Chimoio, o Parque Nacional de Chimanimani é um lugar de biodiversidade, onde o passado e o presente se misturam em beleza, em cascatas e paisagens incríveis.
A diversidade do ecossistema e a vegetação propensa à agricultura permite que se desenvolvam no Parque Nacional de Chimanimani projectos de desenvolvimento comunitário e de conservação, nomeadamente com a cultura do café, a ganhar destaque nos últimos anos.
Do monte Binga, a tudo o resto que a vista alcança
Situado na fronteira com o Zimbabué, o monte Binga, com os seus 2.436 metros de altitude, é o ponto mais elevado da cordilheira e de Moçambique. Palco de conflitos históricos, foi um ponto no mapa que, durante décadas, ninguém associaria à conservação da natureza. Mas essa situação já começou a mudar.
Com apoio de doadores internacionais, o País tem feito um enorme esforço para recuperar áreas e populações de animais selvagens, contribuindo para o esforço global de preservação da biodiversidade e alavancando o turismo, um sector fundamental para o desenvolvimento socio-económico dos moçambicanos. Neste caminho, a jóia da coroa tem sido o bem conhecido Parque Nacional da Gorongosa, mas, em 2020, o então recém-criado Parque Nacional de Chimanimani começou a destacar-se.
De acordo com uma publicação recente da National Geographic, anos antes, em 2018 uma equipa de cientistas liderados pelo entomólogo do Museu de Zoologia Comparada da Universidade de Harvard, Piotr Naskrecki, iniciara um conjunto de expedições à região e as suas descobertas excederam as expectativas mais optimistas. Na verdade, não vinha às escuras: além de Charles Swynnerton, mais de 100 anos antes, na década de 1960 a recém-fundada revista de botânica do Zimbabué publicara um conjunto de artigos sobre a vegetação da região, dando conta de que, das 859 espécies identificadas acima da cota de 1.200 metros de altitude, 41 eram endémicas. Estes números, baseados sobretudo nas vertentes do lado zimbabueano, foram revistos em alta mais recentemente para um total de 977 espécies com 74 endémicas, aproximadamente o dobro de plantas endémicas do Reino Unido.
O maciço quartzítico de Chimanimani, que se eleva acima do planalto Africano Central e integra a Escarpa Oriental, apresenta nas cotas mais elevadas níveis de precipitação muito acima dos da base, criando isolamentos geográficos propícios aos mecanismos de especiação. Estas características por si só justificariam o mais elevado estatuto de conservação, mas naturalmente estas condições não favoreceram só a diversidade de plantas. Apesar de a maioria dos trabalhos anteriores se terem focado na vegetação, havia a expectativa de que a área tivesse também enorme interesse para outros grupos de seres vivos.
Para Paola Bouley, era a primeira visita a Chimanimani. A investigadora instalou-se numa rudimentar tenda junto da margem do rio que mais a montante rasga a rocha numa garganta apertada (chimanimani, no dialecto local). Ao despertar, avistou uma lontra a aproveitar os primeiros raios de sol da manhã numa rocha em pleno rio. São raras na região e era um bom presságio para os dias de trabalho de campo que aí vinham.
Paola estudara os grandes carnívoros da Gorongosa e agora é também especialista em biodiversidade e conservação no Parque Nacional de Chimanimani. Apesar de esta área protegida se enquadrar numa região remota e com poucos acessos rodoviários, há comunidades que habitam nos seus limites e o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural de Moçambique apoia estas comunidades, através do Projecto MozBio, de forma a promover práticas agrícolas que sejam simultaneamente mais lucrativas e com menor impacte.
A conversão do modelo agrícola, baseada em queimadas e no abate da floresta, na rotatividade de culturas que assegure a fertilidade dos solos por tempo indeterminado e nos incentivos à produção de mel, tem tido enorme sucesso na região. Quando confrontada com os desafios à convivência destas comunidades com animais selvagens em geral e superpredadores em particular, Paola Bouley está “optimista”, diz à revista da National Geographic.
Apesar de Chimanimani ter sido território de leões e de mabecos antes da guerra, é improvável, devido à sua dimensão relativamente reduzida, que estes voltem a estabelecer aqui populações numerosas e estáveis. No entanto, a área afigura-se como um corredor vital de ligação entre diferentes populações no Zimbabwe e Moçambique. “Esta realidade e a presença de leopardos ou hienas no Parque é perfeitamente compatível com um modelo de turismo ou com as práticas agrícolas e pecuárias tradicionais desde que se acautelem regras ancestrais como a recolha dos rebanhos durante a noite nos tradicionais redis feitos com troncos espinhosos”, diz. Paola reforça a necessidade de encontrar nas comunidades aliados dos esforços de conservação.
A relação entre os habitantes da periferia e a natureza selvagem do coração do Parque é desafiante, mas, quando Jen Guyton, que assina as fotografias desta reportagem, lá chegou pela primeira vez, viveu uma experiência arrebatadora. À medida que subia em direcção ao monte Binga, verificou que as florestas se rarefaziam e davam lugar a extensas pastagens montanhosas.
Neste lugar selvagem, isolado e perdido no tempo, onde persistem ricas tradições locais e onde ainda se fala de espíritos ancestrais e rituais sagrados, não é difícil um viajante esquecer-se da história conturbada e violenta do país e da região. “Um guia local falou-me de Nhamabombe, uma montanha sagrada onde o fazedor de chuva ainda vai fazer chuva”. conta.
Jen é exploradora da National Geographic e fez o trabalho de campo do seu doutoramento em Ecologia a algumas horas de distância, no Parque Nacional da Gorongosa. Quando o terminou, decidiu enveredar por uma carreira como fotojornalista. Chimanimani foi um dos seus primeiros trabalhos e será sempre especial para ela. A equipa de cientistas que acompanhou nas campanhas de 2018 e 2019 incluía botânicos, entomólogos, ornitólogos, herpetólogos, especialistas em mamíferos e em conservação. Os trabalhos nestes territórios pouco estudados são nas palavras dela “como caças ao tesouro”.
Estes cientistas, cada um com uma especialidade diferente, são soltos na paisagem para desvendar o maior número possível de espécies. Os especialistas em mamíferos, montam armadilhas fotográficas para grandes mamíferos como antílopes, pequenas armadilhas para micromamíferos como roedores e montam redes para morcegos. Os ornitólogos confiam sobretudo no binóculo, nos ouvidos e numa memória invejável para o canto das aves. Os entomólogos agitam as suas redes de borboletas nas pastagens durante o dia e, pela noite dentro, esperam que a sua potente luz branca atraia uma nuvem de insectos, confiando que algo interessante e surpreendente surja. Por comparação os botânicos têm aparentemente uma vida mais fácil, deambulando pela encosta da montanha, enquanto inspeccionam e recolhem belas flores e plantas para os seus herbários.
E foi, no meio desta constante “caça ao tesouro” que, após um ‘jejum’ que se prolongava desde a década de 1970, voltou a ser avistado em Moçambique um bokmakierie, uma ave próxima dos picanços, que tem aqui uma população isolada das congéneres da África do Sul e da Namíbia e cuja filogenia carece de estudo mais aprofundado. A ornitóloga Callie Gesmundo confessa que “a observação destas aves impressionantes pulando pelas encostas íngremes e repletas de pedras do monte Binga foi uma experiência surreal que até hoje poucos puderam testemunhar”.
Além desta espécie, os cientistas identificaram mais 260 espécies de aves, 67 de répteis e anfíbios, 43 de mamíferos, 582 de insectos e 475 de plantas algumas das quais novas para a ciência e que engrossaram a já longa lista de 76 espécies endémicas identificadas.
Apesar destes tesouros naturais, o Parque Nacional de Chimanimani não está isento de ameaças. A desflorestação e as alterações climáticas colocam esta área protegida sob ameaça, mas há sinais de esperança de que, em conjunto, os cientistas e as comunidades locais consigam encontrar soluções. Num passeio recente com um chefe local, Paola Bouley detectou pinturas rupestres em que figuram os mabecos que já vaguearam por estas montanhas.
As comunidades tradicionais têm uma relação muito profunda com eles e com os leões. “São animais espirituais para as comunidades e, embora sejam raros, os seus rugidos ainda aqui ecoam”, remata Paola como uma nota de esperança para Chimanimani, para o País e talvez até para a humanidade e o planeta.
FONTE National Geographic; Time Magazine