O que ficou da COP27 para África, e Moçambique?
A Cimeira COP27 terminou já madrugada dentro, do dia 20 de Novembro, em Sharm el-Sheik, estância balnear luxuosa, no Egipto, após longas e duras negociações tendo em vista a aprovação de um texto que gerou uma enorme controvérsia, sobre a ajuda aos países pobres afectados pelas mudanças climáticas, mas sem incluir novas ambições para a redução de gases com efeito estufa.
A declaração final apela a uma redução “rápida” das emissões, mas não revelou novas ambições face à última COP, que aconteceu em Glasgow, Escócia, em 2021, tendo sido, no entanto, a criação do fundo de compensação pelos danos climáticos sofridos pelos países mais pobres e "particularmente vulneráveis" às alterações do clima, o passo dado mais relevante.
A este respeito, Moçambique foi particularmente focado, como um desses territórios mais vulneráveis às alterações climáticas. Na memória recente de 2019, os efeitos nefastos dos ciclones Kenneth e Idai, com ventos que excederam os 200km/hora que varreram as zonas Centro e Norte do país com custos directos e indirectos a ultrapassarem os 3 mil milhões de dólares.
Nesse contexto, e com impacto directo no país, o Fundo das Nações Unidas de Desenvolvimento de Capitais (UNCDF) comprometeu-se a mobilizar mais 20 milhões de dólares para financiar a adaptação liderada localmente em Moçambique, durante o evento paralelo recentemente organizado pelo Local Climate Adaptive Living Facility (LoCAL) na COP27.
Esses fundos adicionais destinam-se a ampliar as actividades de construção de infraestruturas resilientes durante um período de cinco anos em Moçambique.
O compromisso de mobilização ressalta o compromisso do UNCDF e dos parceiros de desenvolvimento em reforçar a parceria com o Governo de Moçambique e estender as actividades de adaptação com os governos locais até 2023–2027.
O Mecanismo LoCAL é liderado pelo país anfitrião para canalizar financiamento climático para governos locais liderarem a adaptação. O Local está actualmente sendo implementado ou projectado para implementação em 34 países na África, Ásia, Caribe e Pacífico.
Voltando ao palco principal da COP27, a questão das "perdas e danos" nos países mais pobres foi um dos pontos de discórdia durante a conferência, antes de ser objecto de um texto de compromisso de última hora que deixou, ainda assim, demasiadas perguntas sem resposta, mas reconhecendo o princípio da criação de um fundo financeiro específico.
Um comité de transição, integrado por 24 países, elaborará agora um conjunto de recomendações sobre o funcionamento e financiamento dos novos dispositivos, incluindo o fundo específico. Mas ainda é necessário determinar quem serão os contribuintes.
As recomendações devem levar a um "estudo e adopção" dos novos mecanismos de financiamento na COP 28, que se realiza no Dubai, no final do próximo ano.
O acordo não deixa de ser, ainda assim, considerado uma vitória para os países mais pobres, muitos deles Africanos, que pressionam por esta mudança há largos anos. Segundo o "The Wall Street Journal", o fundo destinará dinheiro para eventos como elevação do nível do mar, tempestades severas e outros efeitos que os cientistas vinculam às alterações climáticas e causam destruição repentina ou irreparável.
Do lado das economias desenvolvidas, que são responsáveis pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa, estas sempre resistiram às compensações por receio de que, ao realizar os pagamentos, ficariam expostas a processos judiciais, tanto a governos como a empresas.
Antes, a expectativa era de que a mitigação de danos viesse de organizações de combate à emergência climática já existentes.
O que fica para a próxima COP?
O texto sobre a redução de emissões também foi muito contestado, com muitos países a denunciar um retrocesso em relação às ambições definidas em conferências anteriores. Em particular sobre o objectivo mais ambicioso do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação à era pré-industrial, o que, no entanto, é reafirmado na decisão final.
Os actuais compromissos dos países signatários do Acordo não permitem cumprir esse objectivo, nem mesmo o de conter o aumento da temperatura para 2°C em relação à era pré-industrial, altura em que os humanos começaram a usar, em massa, combustíveis fósseis responsáveis pelo aquecimento global.
A questão da redução do uso de combustíveis fósseis, causa do aquecimento global, é igualmente pouco mencionada na maioria dos textos climáticos. Todavia, o desenvolvimento das renováveis é alvo de uma menção inédita a par das energias de transição (como o gás natural), e as de “baixa emissão”, expressão geralmente aplicada à energia nuclear.
Ainda assim, apesar da aprovação do fundo de compensação pelos danos climáticos sofridos pelos países mais pobres e "particularmente vulneráveis" às alterações do clima, a União Europeia mostrou-se desapontada com o acordo, a França e a Alemanha lamentaram “a falta de ambição climática" e até o Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, lamentou que a COP27 “não tenha sido capaz de responder à urgência de reduzir drasticamente a emissões de gases com efeito estufa.”
Apesar de tudo, houve pequenos avanços num caminho iniciado em 1992, na chamada Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, Brasil, que ainda vai ser longo. E também não vai ser barato: o Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh mostra que a transformação global para uma economia universal de baixo carbono deverá exigir investimentos de pelo menos 4 a 6 biliões de dólares por ano.