Como a Inteligência Artificial Pode Ajudar na Busca da Imortalidade

A busca pelo elixir da vida é intrínseca à humanidade. Enquanto a mitologia da Grécia Antiga contava a história de como Zeus envenenou o titã Cronos, seu pai, e assim conseguiu a imortalidade, a física moderna discute formas de manipular o tempo a nosso favor. Um grupo de cientistas da startup californiana Integrated Biosciences, em parceria com investigadores da Universidade de Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, levou esta viagem um pouco mais longe.

O nome do estudo que publicaram, "Discovering small-molecule senolytics with deep neural networks” (Descoberta de senolíticos de pequenas moléculas com redes neuronais profundas), pode parecer complicado. Talvez por isso não tenha sido muito divulgado para além dos círculos académicos desde que a investigação foi detalhada num artigo publicado na revista Nature Aging em Maio deste ano.

No texto, as suas conclusões são descritas da seguinte forma: "Treinámos modelos de aprendizagem profunda com os resultados de uma amostra de pequenas moléculas para a actividade senolítica e aplicámos os nossos modelos para descobrir compostos estruturalmente diversos".

O que os cientistas fizeram, para simplificar a explicação, foi usar a IA para buscar possíveis drogas capazes de retardar o envelhecimento das nossas células e, assim, também combater doenças como fibrose, tumores, inflamações e artrite.

"Encontrar uma nova droga é como procurar uma agulha num palheiro", disse o físico e matemático americano Felix Wong, especialista em biofísica, principal autor do estudo e um dos fundadores da Integrated Biosciences.

"No nosso caso, o palheiro consiste em todos os potenciais compostos químicos que já foram criados ou que podem ser desenvolvidos."

Usando a IA, Wong conseguiu testar como mais de 800 mil opções de soluções químicas reagiam a potenciais drogas capazes de seleccionar e eliminar as senescentes, conhecidas como "células zombies" do corpo que levam a processos de envelhecimento. No final da experiência, ele e a sua equipa chegaram a três potenciais medicamentos que, teoricamente, poderiam efectuar esse controlo.

"Se procurássemos tudo, ou seja, se analisássemos cada composto um a um, seria necessário um esforço substancial, uma vez que o palheiro seria quase infinito", afirma Wong.

"Utilizamos a IA para pesquisar este palheiro de forma muito mais eficiente, fazendo com que a máquina preveja quais destes candidatos a medicamentos têm maior probabilidade de funcionar".

Em entrevista à Nature Aging, o biofísico Andrew Rutenberg, professor da Universidade Dalhousie, no Canadá, destacou essa metodologia como o grande diferencial da pesquisa." Este trabalho impressionante utiliza técnicas de aprendizagem automática profunda para explorar diversas estruturas moleculares para serem utilizadas como novos senolíticos." Os autores mostram como a quiminformática pode ser usada para criar novos e promissores medicamentos anti-envelhecimento, que depois testam, e partilham detalhes do seu software para ajudar a acelerar futuras descobertas moleculares.Os autores mostram como a quiminformática pode ser usada para criar novos e promissores medicamentos anti-envelhecimento, que depois testam, e partilham detalhes do seu software para ajudar a acelerar futuras descobertas moleculares.

Como treinar a IA para fazer ciência

A experiência começou por preparar a máquina para a levar a cabo.
Os cientistas começaram por testar quase 2400 compostos em tubos de ensaio para os avaliar como possíveis assassinos de células zombies. De seguida, introduziram os dados recolhidos no software. Após ter sido treinada desta forma, a IA foi utilizada para procurar os melhores candidatos a medicamentos anti-envelhecimento entre mais de 800 mil opções. O robot é capaz de testar todas as alternativas simultaneamente em busca do medicamento mais eficaz. No jargão científico, nesta fase a experiência foi realizada "in silicon", ou seja, restrita ao ambiente digital.

A peneira resultou em 216 compostos. Destes, 25 apresentaram elevada actividade senolítica, o que significa que são muito eficazes a matar células zombies.

Outras experiências em laboratório reduziram a lista a três potenciais medicamentos. Um deles foi testado num rato de 80 anos. Os cientistas detectaram uma diminuição dos biomarcadores de envelhecimento, ou seja, do número de "zombies" nos rins do roedor. De acordo com Wong, este facto "indica que o composto pode reduzir eficazmente o envelhecimento das células em animais vivos".

Siglas complicadas que parecem ter saído dos rótulos de um frasco de laboratório. "Mas um dia poderão permitir-nos a todos viver mais tempo e com mais saúde", espera Wong.

Por que não testar em humanos?

Na peneiração realizada pela IA, um dos principais factores avaliados foram os prováveis efeitos colaterais dos medicamentos.

"Já usamos computadores em experimentos biológicos há mais de cinquenta anos, mas a IA avançou de tal forma que agora é possível realizar experimentos nessa escala", disse à BBC News Brasil a bióloga Aline Martins, pesquisadora do The Scripps Research Institute, em San Diego, nos Estados Unidos, onde desenvolve pesquisas usando inteligência artificial para buscar biomarcadores (compostos biológicos capazes de detetar e, assim, ajudar a prevenir doenças) mais eficientes.

Martins, que não é uma das autoras do estudo, mostrou-se entusiasmada com o trabalho porque "testa de várias formas como milhares de substâncias existentes, com princípios activos descritos na literatura científica, podem ser reutilizadas para combater o envelhecimento".

As células zombies, ou células senescentes, não são necessariamente más para o nosso organismo. Pelo contrário, actuam também como um mecanismo natural anti-cancro.

"Ao fazer com que as células danificadas deixem de se dividir, este processo reduz a possibilidade delas ficarem fora de controlo e se tornarem cancerosas", afirma Felix Wong.

No entanto, os zombies também conduzem ao envelhecimento e, em efeito contínuo, a doenças como a artrite, a inflamação ou mesmo o cancro.

"O que procuramos atualmente é um senolítico equilibrado, capaz de abrandar os nossos processos de envelhecimento, mas sem causar efeitos ainda mais nocivos e tóxicos no processo", sublinha Aline Martins. E Wong acredita que podemos estar próximos dessa descoberta.

"Estamos a seguir os ritos da ciência. Esperamos eventualmente testá-lo em humanos, com o objetivo de utilizar estes compostos para aumentar a nossa esperança de vida, eliminando subpopulações de células envelhecidas que nos são prejudiciais".