Mais tempo livre, menos horas de trabalho e menos rendimento... Eis a questão da semana de quatro dias
Num artigo recentemente publicado pelo Asahi Shimbun, um dos mais reputados jornais japoneses, referia-se que os trabalhadores do país têm agora a opção de tirar três dias de folga por semana, especialmente nas grandes empresas, que têm vindo a adoptar a semana de quatro dias para aumentar a produtividade e diversificar a força de trabalho. Contudo, aqueles que o fazem podem ver o seu salário reduzido e a medida só é aplicável em sectores que permitam flexibilidade. O que pode dificultar, e atrasar, o conceito da semana de quatro dias, tal como, de resto, aconteceu com a semana de cinco dias quando foi implementada.
Cuidados e formação
“Com a evolução do valor do trabalho, não estamos apenas a dar tempo à nossa actividade principal, mas também a outras ocupações fora da empresa”, explicava o Director-geral da Panasonic, Shigeki Mishi- ma, num briefing realizado em Abril passado.
Este ano, o grupo multinacional introduzirá a título de “fase de testes” a possibilidade, para cerca de 5 000 empregados na sede e em filiais seleccionadas, de tirarem três dias de folga por semana. O horário de trabalho diário estabelecido não mudará. Os resultados da experiência devem ser utilizados para alargar o sistema a todas as empresas do grupo. A estrutura salarial está ainda em discussão. “O objectivo não é reduzir os salários”, disse Shigeki Mishima, descansando os funcionários.
Na NEC [Nippon Electronic Company, gigante dos computadores e telecomunicações], 20 000 pessoas poderão escolher trabalhar quatro dias por semana já a partir deste ano. O sistema será depois alargado a todas as empresas do grupo. Não é novidade, uma vez que já em Outubro de 2018 a possibilidade de tirar três dias de folga por semana tinha sido concedida a alguns trabalhadores, a fim de evitar que se demitissem para cuidar dos filhos ou de um parente dependente.
Claro que a pandemia da COVID-19 levou a uma flexibilização das regras, e agora todos podem decidir trabalhar quatro dias por semana. Os detalhes do sistema estão a ser discutidos com os sindicatos, mas tem sido privilegiado um ajustamento dos salários mais baixos.
A empresa farmacêutica Shionogi introduziu a semana de quatro dias em Abril com o objectivo de encorajar os empregados a adquirir novas competências, prosseguindo os estudos ou uma formação. Vários funcionários já estão a tirar partido disto. No entanto, o seu salário será reduzido em 20%.
A Hitachi, que pretende introduzir a semana de quatro dias até final do ano, está a concentrar-se nos negócios digitais. A empresa reduziu o pessoal das fábricas e alargou a gama de funções. “Os trabalhadores que decidem os seus próprios horários estão concentrados no seu trabalho, o que aumenta a produtividade e o crescimento da empresa”, explica um porta-voz.
Do lado dos empregadores, o objectivo também é atrair talentos. Quanto aos trabalhadores, devem estar conscientes de que a semana de quatro dias pode significar dias de trabalho mais longos e uma queda significativa nos rendimentos.
Trabalhar onde se quiser... ganhar produtividade, tempo livre e perder rendimento
A flexibilização do trabalho não afecta só os horários, mas também o local de trabalho. Em algumas empresas, especialmente no sector informático, os empregados podem trabalhar ao seu próprio ritmo, quando e onde quiserem.
Em 2017, a Yahoo! Japão introduziu uma semana de quatro dias para trabalhadores com filhos ou dependentes. Hoje em dia, cerca de 200 tiram partido disto, e os trabalhadores também são livres de trabalhar onde quiserem. Em Janeiro deste ano, cerca de 90% dos cerca de 8 000 empregados trabalhavam em casa ou noutro lugar e, desde Abril, as restrições sobre onde e como poderiam viajar, aplicadas até aí, foram removidas, abrindo a possibilidade de poderem trabalhar numa ilha remota ou numa estância de férias.
O gigante informático Mixi também abrandou as suas restrições em matéria de residência precisamente em Abril. Os empregados podem agora viver em qualquer parte do Japão desde que possam “chegar à empresa antes do meio-dia nos dias em que a sua presença é necessária”. Para tal, podem, desde Maio passado, voar ou apanhar o Shinkansen [comboio de alta velocidade japonês], com custos de transporte cobertos pela empresa até 150 000 ienes por mês, qualquer coisa como 70 mil Meticais.
O número de vezes em que é necessária a presença no local é decidido por cada departamento; cerca de 40% deles optaram por trabalhar apenas remotamente.
Toda esta realidade, num país que lidera índices de produtividade e desenvolvimento a nível mundial, diz-nos que a flexibilidade laboral está certamente a aumentar, mas isso não sucede em todo o lado; em muitos sectores, os horários não podem ser alterados e as férias não são fáceis de tirar.
Em Dezembro de 2021, o Mynavi Tenshoku, um site que gere ofertas de emprego, realizou um inquérito online junto de 800 empregados a tempo inteiro sobre a possibilidade de trabalharem uma semana de quatro dias na sua posição actual. Cerca de 60% dos inquiridos responderam “impossível” ou “bastante improvável”, incluindo uma maioria de trabalhadores essenciais nos sectores de venda a retalho, transportes e serviços pessoais. Mais de 60% deles ganhavam menos de quatro milhões de ienes [32 000 dólares] por ano.
Nas categorias de salários anuais superiores a oito milhões de ienes, as respostas “possível” e “impossível” foram quase iguais. O que vem mostrar que a semana de quatro dias é mais facilmente aplicável a pessoas com rendimentos elevados, que tendem a estar em profissões que lhes permitem ajustar a sua própria carga de trabalho e a sua forma de trabalhar.
As mesmas diferenças podem ser observadas no que diz respeito ao teletrabalho. De acordo com um inquérito realizado pelo instituto de investigação Persol em Fevereiro, a taxa de teletrabalho foi superior a 50% em empregos relacionados com tecnologias de informação, gestão de projectos e consultoria, e inferior a 5% para trabalhadores da construção civil, fabris, de cuidados pessoais e infantis, e para professores de jardim de infância.
Fontes Asahi Shimbun; Courrier International; Persol