Kuxuva
A Casa da Saudade Apaziguada no Sabor do Saber

Como um antigo restaurante de uma família goesa, que muitos em Maputo conheciam como “o Petisco”, que funcionava dentro da antiga residencial Hoyo Hoyo, ganhou uma nova vida, dinâmicas e um novo nome também, mas com o sabor (e saber) de sempre.

Gabriela e a mãe, Ninette Pinto Lobo, mantêm a tradição e os paladares da típica cozinha de Goa, o resultado de influências seculares que se misturam com a história daquela região indiana. Por isso, um dos maiores exemplos dessa quase filosofia gastronómica, se podemos chamar-lhe assim, é o famoso prato goês, o vindaloo que, na verdade, deriva da bem portuguesa carne em vinha de alhos, um prato de carne, geralmente porco. Ou aquela que é, talvez, a receita mais emblemática de Goa, o Sarapatel, que também encontra a sua origem remota no Norte de Portugal, embora aqui, nesta extensão de Goa que cresceu no coração de Maputo, ele seja trajado com o toque original da identidade goesa, intimamente ligado às memórias e afectos familiares. Não há goês que não o conheça, mas não é preciso ser de lá para apreciar este prato confeccionado a partir das miudezas de porco, borrego ou cabrito, e que terá surgido nas comunidades de cristãos-novos de Portugal que lhe chamavam, surpreenda-se, ‘Papas de Sarrabulho”.

Na gastronomia, histórias como esta não são raras, se pensarmos na maioria dos pratos que conhecemos e gostamos, feitos, muitos deles, com o ingrediente principal da mistura secular entre povos e saberes, percebemos como haverá qualquer coisa de visceral, quando se viaja, no espaço e no tempo, através do paladar. Porque reencontramos os sentidos, e regressamos a nós.

No Kuxuva, não é só o alimento que ganha vida graças às receitas que dona Maria prepara, herdadas de sua mãe, que as herdou da avó, um encadeado que é, na verdade, uma história contada sobre a mesa, cozinhada pela herança geracional de uma família, e de um povo inteiro. 

Reabriu em Novembro de 2022, baptizado com um nome carregado de emoção, “Kuxuva” que em Xichangana (idioma do sul de Moçambique) significa saudade. Gabriela explica-o. “A minha irmã é que começou este projecto, estava eu ainda na Alemanha onde vivia há décadas. Depois, quando ela partiu, eu regressei a Moçambique, para vir ajudar a minha mãe a continuar com esta, que sempre foi a nossa casa”, explica Gabriela.

É ali, na casa da saudade, e lugar da família desde que, há mais de um século, chegaram a Moçambique oriundos de Goa, que se desenha o traço da memória que se sente logo desde o portão da entrada. Imerso num jardim que abriga um silêncio pouco encontrado em Maputo, o Kuxuva é o lugar para partilhar uma refeição em família ou com amigos, sem tempo nem hora marcada, dando voz, lugar e momento aos sentidos. “Quando as pessoas se sentem bem ao provar a nossa comida sinto o meu coração aos pulos, acelerado, como se estivesse apaixonada. Faz‐me bem que saiam com barrigas cheias e felizes”.

Por ali, na atmosfera, ainda navegam as poeiras dos caris de Goa, porque os temperos, como o louro, o gengibre, o cravinho e os outros, que a Dona Maria não revela porque a receita do caril é “segredo de família”, diz, a sorrir, são ali moídos num almofariz em pedra, sendo depois levados à brasa para ganhar tosta.